Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
SALVADOR
JUIZADO MODELO CÍVEL - EXT. JORGE AMADO - VESPERTINO - PROJUDI -
Luiz Viana Filho, 6775, Paralela - SALVADOR
PROCESSO N.º: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
AUTORES:XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
RÉUS:
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXAUTORES:XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
RÉUS:
SENTENÇA
O autor ingressou com a presente ação
alegando utilizar o plano de saúde firmado com a empresa ré, sendo portador de
OBESIDADE MÓRBIDA GRAU III e comorbidades associadas (Apinéia do Sono, Diabetes
Mellitus e Displemia), tendo sido indicada a realiação de cirurgia bariátrica,
a fim de promover a melhora do quadro.
Aduziu que a empresa acionada negou-se
a autorizar a realização do procedimento em questão, sob o argumento de que se
trata de contrato anterior a janeiro de 1999.
Em sede de contestação, a suplicada
alega, preliminarmente, a ausência de interesse de agir, uma vez que não houve
negativa para realização do procedimento.
No mérito, proclama que o requerente,
em verdade, tenta burlar a Resolução Normativa n º 259, da ANS, no tocante ao
prazo estabelecido para os casos de regime de internação eletiva.
DA PRELIMINAR
Como é sobejamente sabido, para que se
configure o interesse de agir por parte do autor, faz-se necessária a presença
do binômionecessidade-adequação, vale dizer, é preciso que a prestação
jurisdicional buscada seja necessária à satisfação do direito pleiteado, bem
como que a via escolhida seja igualmente adequada para tanto.
No caso concreto, mostrou-se inegável a
necessidade do postulante em comparecer às portas do Judiciário, a fim de obter
a medida adequada no sentido de compelir a empresa requerida a autorizar o
procedimento cirúrgico recomendado para salvaguardar sua saúde, até então não
liberado pela referida seguradora.
A gravação telefônica colacionada no
evento nº 1 pelo suplicante, e não impugnada pela empresa ré, deixa cristalino
que houve negativa na realização do procedimento, sob a alegação de que este
não estaria coberto pelo contrato entabulado entre as partes, por ser anterior
?à lei nova?.
Assim, REJEITO a
preliminar de falta de interesse de agir.
DO MÉRITO
Em primeira linha, há de se reconhecer o enquadramento da demanda ora em
análise aos ditames do Código de Defesa do Consumidor. O fato de se tratar de contrato
firmado antes da vigência da Lei nº 9.656/98 não desqualifica a natureza consumerista
do vínculo, devendo ser interpretado à luz dos princípios entabulados no
referido Diploma Legal.
Da análise do feito, verifico que o
procedimento cirúrgico indicado ao autor se mostra essencial à sua saúde, nos
termos dos relatórios frimados pelos profissionais que assistem aquele,
insertos no evento nº 1.
Embora tenha alegado que o demandante
tenta burlar as regras da ANS, como dito alhures, a demandada desautorizou a
realização do procedimento, ao argumento de que não estaria coberto em virtude
de se tratar de pacto firmado antes da lei supradita.
Planos e seguros de saúde não podem
impor limites ou restrições a procedimentos ou exames recomendados por ordem
médica. Ao negar cobertura a determinados tipos de procedimentos, a seguradora
acionada atenta contra os direitos absolutos, à saúde e à vida dos segurados.
Ao contratar um serviço de plano de
saúde, o usuário assim o faz com base na justa expectativa de que, caso
necessite, terá a necessária cobertura dos tratamentos indicados para sanar a
mazela física que lhe acometa.
Aliás, essa é a própria razão de ser
dos seguros de saúde, que consistem justamente no pacto por meio do qual o
segurado efetua os pagamentos mensais devidos na expectativa de que, em sendo
necessário, a seguradora cobrirá os custos dos procedimentos indicados para o
tratamento das patologias cobertas pelo contrato.
Os contratos de seguro de saúde
inserem-se nas relações tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez
que o segurado é o destinatário final de serviço prestado pela acionada, do que
se depreende os conceitos de fornecedor e consumidor trazidos pelos arts. 2o e
3o da Lei n° 8.078/90.
Trata-se, portanto, do típico contrato
de adesão, cujas cláusulas foram unilateralmente aprovadas pelo fornecedor, sem
que ao consumidor fosse dado qualquer possibilidade de discussão. Assim, a esse
contrato é aplicável o estatuto consumerista, que possui por princípios
fundamentais, dentre outros, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor
no mercado de consumo e a ação governamental no sentido de promover a sua
proteção (como é o caso da justiça do consumidor), coibição e repressão
eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo que possam
causar prejuízos aos consumidores.
O CDC estabelece extenso rol de
direitos aos consumidores, máxime aos que necessitam de tratamento de saúde,
razão pelas quais as limitações estabelecidas em contratos de adesão não podem
sobrepor-se ao que estabelecem as normas de ordem pública, contidas naquele.
O Diploma Legal em questão,
comprometido com tendências protetivas do consumidor, em posição de
hipossuficiência na relação contratual de consumo, buscou esmaecer o princípio
da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda).
Desta forma, em casos de obrigação abusiva, excessiva, e onerosa, torna-se
possível à invalidação de cláusulas abusivas (art. 51, IV e § 1º, I, II e III,
CDC), visando uma interpretação mais favorável ao consumidor (artigo 47 do
CDC).
Ademais, estando a patologia coberta
pelo contrato, ante a não apresentação de prova em sentido contrário, não pode
a seguradora definir quais os tratamentos ou materiais que serão cobertos e
quais estarão relegados à margem daquele, devendo seguir os exatos termos da
indicação médica, único documento hábil a definir qual a terapêutica mais
adequada ao caso concreto.
Portanto, ao se negar a cobrir o custo
do tratamento necessário para a manutenção da saúde da paciente, a suplicada
não apenas atuou com abusividade, como também violou os princípios da boa fé que
devem nortear os contratantes e que se pauta em parâmetros de honestidade e
lealdade, visando a cooperação entre as partes a fim de atingir o fim colimado
no contrato, qual seja, a garantia da saúde do usuário, consoante o art. 4º,
inciso III do CDC.
Sobre a boa-fé objetiva nos contratos
de adesão, tem-se que ela deve representar:
(...) um nível mínimo e objetivo de
cuidados, de respeito e de tratamento leal com a pessoa do parceiro contratual
e seus dependentes. Esse patamar de lealdade, cooperação, informação e cuidados
com o patrimônio e a pessoa do consumidor é imposto por norma legal, tendo em
vista a aversão do direito ao abuso e aos atos abusivos, praticados pelo
contratante mais forte, o fornecedor, com base na liberdade assegurada pelo
princípio da autonomia privada" (Marques, Cláudia Lima. Expectativas
legítimas dos consumidores nos planos e seguros privados de saúde e os atuais
projetos de lei. Revista de Direito do Consumidor. n. 20, p. 74).
Trata-se, por conseguinte, de conduta
que viola o dever geral de boa-fé objetiva, inerente às relações jurídicas de
consumo em geral, vez que a seguradora, aproveitando-se de sua posição
privilegiada, nega-se ao cumprimento de prestação a que voluntariamente se
obrigou, qual seja, a manutenção da saúde e da vida da segurada, frustrando as
legítimas expectativas do consumidor.
Quanto ao dano moral,
encontra-se assente no Superior Tribunal de Justiça que a recusa injustificada
à cobertura de procedimento necessário ao tratamento do segurado gera aquele, o
qual deve ser indenizado:
PROCESSUAL CIVIL- AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - CONTRATO - PLANO DE SAÚDE - NEGATIVA DE COBERTURA
A EXAME ESSENCIAL AO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER - IMPOSSIBILIDADE - OFENSA AO
ART.535 DO CPC - NÃO OCORRÊNCIA - REEXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E PROVAS DOS
AUTOS - SÚMULAS Nº 5 E T DO STJ - DANO MORAL CONFIGURADO - INDENIZAÇÃO -
QUANTUM - RAZOABILIDADE - 1- Inexiste afronta
ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões
pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e
suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2- O recurso especial
não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto
fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 3- No caso
concreto, o Tribunal de origem, analisando o contrato e a prova dos autos,
concluiu que a negativa de cobertura do exame pretendido foi abusiva, não só
porque existia previsão contratual para exames complementares necessários para
o controle da evolução da doença, mas também porque não havia exclusão expressa
do procedimento requerido. Alterar esse entendimento é inviável na instância
especial a teor do que dispõe a referida Súmula. 4- Está pacificado no
STJ que a injustificada recusa, pelo plano de saúde, de cobertura de
procedimento necessário ao tratamento do segurado gera dano moral. 5-
Esta Corte consolidou a orientação segundo a qual o reexame do valor dos danos
morais arbitrados pelo Tribunal estadual encontra óbice na Súmula nº 7/STJ.
Referido óbice somente pode ser afastado quando o valor arbitrado for manifestamente
excessivo ou irrisório. 6- Indenização por danos morais arbitrada na origem em
valor que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
ausente a alegada excessividade. 7- Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ ? AgRg ? AG - REsp. 169.486 ? (2012/0083096-4) ? Rel. Min. Antonio Carlos
Ferreira ? DJe 12.03.2013 ? p. 535)
No que tange ao valor
da indenização, este deve representar para o ofendido uma satisfação
psicológica que possa pelo menos diminuir os dissabores que lhe foram
acarretados, sem causar, evidentemente, o chamado enriquecimento sem causa.
Entretanto, deve impingir ao causador do dano, um impacto capaz de
desestimulá-lo a praticar novos atos que venham a causar danos a outrem.
O Superior Tribunal
de Justiça, no julgamento do REsp 259.816, do Rio de, Janeiro, DJU 27.11.2000,
p. 171, salientou que o "arbitramento deve ser feito com
moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico da parte
autora e, ainda, ao porte econômico da ré, orientando-se o juiz pelos critérios
sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de
sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades
de cada caso".
Colhem-se desse julgado
os critérios que devem nortear a fixação do valor da indenização: em relação ao
autor do ato danoso, o grau de sua culpa e o seu porte econômico; em relação ao
ofendido, o nível socioeconômico; em relação ao ato, a sua potencialidade
danosa. Tudo com a devida moderação.
Dessa forma, da
análise do caso, por ter havido uma situação de evidente má prestação de
serviço, chego ao montante indenizatório no valor de R$ 5.000,00 ( cinco mil
reais).
Nesse descortino:
a)CONVALIDO a
tutela concedida no evento nº 7, tornando-a definitiva;
b)JULGO PROCEDENTE o
pedido de indenização por danos morais, CONDENANDO a requerida a pagar ao
demandante o valor de R$ 5.000,00(cinco mil reais), acrescidos de juros
moratórios, a contar da data da citação, e correção monetária,
com base no INPC, a partir desta data, consoante reza a Súmula nº
362 do STJ:
A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde
a data do arbitramento.
Por conseguinte, EXTINGO
O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, fulcrada no art.269, I, do CPC.
Não havendo pagamento
voluntário, no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado deste decisum,
independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de
multa no percentual de 10% (dez por cento) (Enunciado 105 do Fonaje c/c art.
475 do CPC).
Sem custas ou
honorários advocatícios, neste estágio processual, na forma preconizada no
art.55 da Lei nº 9099/95.
Caso haja
adimplemento ou não seja requerido o cumprimento do comando sentencial nos
prazos legais, dê-se baixa e arquive-se.
P.R.I.
Salvador, 7 de novembro de 2013
BELª. MÁRCIA
GOTTSCHALD FERREIRA
Juíza de Direito
Titular da 85ª Vara de Substituições
Designada para
Auxiliar o Juizado Modelo Cível - Extensão Jorge Amado
Documento Assinado
Eletronicamente