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------------------------------FELIPE LUÍS FERREIRA DE SANT'ANNA
------------------------------------OAB/BA 29.735

Sentença Plano de Saúde.


Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
SALVADOR
JUIZADO MODELO CÍVEL - EXT. JORGE AMADO - VESPERTINO - PROJUDI - 

Luiz Viana Filho, 6775, Paralela - SALVADOR

PROCESSO N.º: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
AUTORES:
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
RÉUS:
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

SENTENÇA
 O autor ingressou com a presente ação alegando utilizar o plano de saúde firmado com a empresa ré, sendo portador de OBESIDADE MÓRBIDA GRAU III e comorbidades associadas (Apinéia do Sono, Diabetes Mellitus e Displemia), tendo sido indicada a realiação de cirurgia bariátrica, a fim de promover a melhora do quadro.

Aduziu que a empresa acionada negou-se a autorizar a realização do procedimento em questão, sob o argumento de que se trata de contrato anterior a janeiro de 1999.

Em sede de contestação, a suplicada alega, preliminarmente, a ausência de interesse de agir, uma vez que não houve negativa para realização do procedimento.

No mérito, proclama que o requerente, em verdade, tenta burlar a Resolução Normativa n º 259, da ANS, no tocante ao prazo estabelecido para os casos de regime de internação eletiva.

DA PRELIMINAR

Como é sobejamente sabido, para que se configure o interesse de agir por parte do autor, faz-se necessária a presença do binômionecessidade-adequação, vale dizer, é preciso que a prestação jurisdicional buscada seja necessária à satisfação do direito pleiteado, bem como que a via escolhida seja igualmente adequada para tanto.

No caso concreto, mostrou-se inegável a necessidade do postulante em comparecer às portas do Judiciário, a fim de obter a medida adequada no sentido de compelir a empresa requerida a autorizar o procedimento cirúrgico recomendado para salvaguardar sua saúde, até então não liberado pela referida seguradora.

A gravação telefônica colacionada no evento nº 1 pelo suplicante, e não impugnada pela empresa ré, deixa cristalino que houve negativa na realização do procedimento, sob a alegação de que este não estaria coberto pelo contrato entabulado entre as partes, por ser anterior ?à lei nova?.

Assim, REJEITO a preliminar de falta de interesse de agir.

DO MÉRITO
                  
                  Em primeira linha, há de se reconhecer o enquadramento da demanda ora em análise aos ditames do Código de Defesa do Consumidor. O fato de se tratar de contrato firmado antes da vigência da Lei nº 9.656/98 não desqualifica a natureza consumerista do vínculo, devendo ser interpretado à luz dos princípios entabulados no referido Diploma Legal.

Da análise do feito, verifico que o procedimento cirúrgico indicado ao autor se mostra essencial à sua saúde, nos termos dos relatórios frimados pelos profissionais que assistem aquele, insertos no evento nº 1.

Embora tenha alegado que o demandante tenta burlar as regras da ANS, como dito alhures, a demandada desautorizou a realização do procedimento, ao argumento de que não estaria coberto em virtude de se tratar de pacto firmado antes da lei supradita.

Planos e seguros de saúde não podem impor limites ou restrições a procedimentos ou exames recomendados por ordem médica. Ao negar cobertura a determinados tipos de procedimentos, a seguradora acionada atenta contra os direitos absolutos, à saúde e à vida dos segurados.

Ao contratar um serviço de plano de saúde, o usuário assim o faz com base na justa expectativa de que, caso necessite, terá a necessária cobertura dos tratamentos indicados para sanar a mazela física que lhe acometa.

Aliás, essa é a própria razão de ser dos seguros de saúde, que consistem justamente no pacto por meio do qual o segurado efetua os pagamentos mensais devidos na expectativa de que, em sendo necessário, a seguradora cobrirá os custos dos procedimentos indicados para o tratamento das patologias cobertas pelo contrato.

Os contratos de seguro de saúde inserem-se nas relações tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o segurado é o destinatário final de serviço prestado pela acionada, do que se depreende os conceitos de fornecedor e consumidor trazidos pelos arts. 2o e 3o da Lei n° 8.078/90.

Trata-se, portanto, do típico contrato de adesão, cujas cláusulas foram unilateralmente aprovadas pelo fornecedor, sem que ao consumidor fosse dado qualquer possibilidade de discussão. Assim, a esse contrato é aplicável o estatuto consumerista, que possui por princípios fundamentais, dentre outros, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e a ação governamental no sentido de promover a sua proteção (como é o caso da justiça do consumidor), coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo que possam causar prejuízos aos consumidores.

O CDC estabelece extenso rol de direitos aos consumidores, máxime aos que necessitam de tratamento de saúde, razão pelas quais as limitações estabelecidas em contratos de adesão não podem sobrepor-se ao que estabelecem as normas de ordem pública, contidas naquele.

O Diploma Legal em questão, comprometido com tendências protetivas do consumidor, em posição de hipossuficiência na relação contratual de consumo, buscou esmaecer o princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda). Desta forma, em casos de obrigação abusiva, excessiva, e onerosa, torna-se possível à invalidação de cláusulas abusivas (art. 51, IV e § 1º, I, II e III, CDC), visando uma interpretação mais favorável ao consumidor (artigo 47 do CDC).

Ademais, estando a patologia coberta pelo contrato, ante a não apresentação de prova em sentido contrário, não pode a seguradora definir quais os tratamentos ou materiais que serão cobertos e quais estarão relegados à margem daquele, devendo seguir os exatos termos da indicação médica, único documento hábil a definir qual a terapêutica mais adequada ao caso concreto.

Portanto, ao se negar a cobrir o custo do tratamento necessário para a manutenção da saúde da paciente, a suplicada não apenas atuou com abusividade, como também violou os princípios da boa fé que devem nortear os contratantes e que se pauta em parâmetros de honestidade e lealdade, visando a cooperação entre as partes a fim de atingir o fim colimado no contrato, qual seja, a garantia da saúde do usuário, consoante o art. 4º, inciso III do CDC.

Sobre a boa-fé objetiva nos contratos de adesão, tem-se que ela deve representar:

(...) um nível mínimo e objetivo de cuidados, de respeito e de tratamento leal com a pessoa do parceiro contratual e seus dependentes. Esse patamar de lealdade, cooperação, informação e cuidados com o patrimônio e a pessoa do consumidor é imposto por norma legal, tendo em vista a aversão do direito ao abuso e aos atos abusivos, praticados pelo contratante mais forte, o fornecedor, com base na liberdade assegurada pelo princípio da autonomia privada" (Marques, Cláudia Lima. Expectativas legítimas dos consumidores nos planos e seguros privados de saúde e os atuais projetos de lei. Revista de Direito do Consumidor. n. 20, p. 74).

Trata-se, por conseguinte, de conduta que viola o dever geral de boa-fé objetiva, inerente às relações jurídicas de consumo em geral, vez que a seguradora, aproveitando-se de sua posição privilegiada, nega-se ao cumprimento de prestação a que voluntariamente se obrigou, qual seja, a manutenção da saúde e da vida da segurada, frustrando as legítimas expectativas do consumidor.
Quanto ao dano moral, encontra-se assente no Superior Tribunal de Justiça que a recusa injustificada à cobertura de procedimento necessário ao tratamento do segurado gera aquele, o qual deve ser indenizado:

PROCESSUAL CIVIL- AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - CONTRATO - PLANO DE SAÚDE - NEGATIVA DE COBERTURA A EXAME ESSENCIAL AO DIAGNÓSTICO DO CÂNCER - IMPOSSIBILIDADE - OFENSA AO ART.535 DO CPC - NÃO OCORRÊNCIA - REEXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E PROVAS DOS AUTOS - SÚMULAS Nº 5 E T DO STJ - DANO MORAL CONFIGURADO - INDENIZAÇÃO - QUANTUM - RAZOABILIDADE - 1- Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2- O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 3- No caso concreto, o Tribunal de origem, analisando o contrato e a prova dos autos, concluiu que a negativa de cobertura do exame pretendido foi abusiva, não só porque existia previsão contratual para exames complementares necessários para o controle da evolução da doença, mas também porque não havia exclusão expressa do procedimento requerido. Alterar esse entendimento é inviável na instância especial a teor do que dispõe a referida Súmula. 4- Está pacificado no STJ que a injustificada recusa, pelo plano de saúde, de cobertura de procedimento necessário ao tratamento do segurado gera dano moral. 5- Esta Corte consolidou a orientação segundo a qual o reexame do valor dos danos morais arbitrados pelo Tribunal estadual encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. Referido óbice somente pode ser afastado quando o valor arbitrado for manifestamente excessivo ou irrisório. 6- Indenização por danos morais arbitrada na origem em valor que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ausente a alegada excessividade. 7- Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ ? AgRg ? AG - REsp. 169.486 ? (2012/0083096-4) ? Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira ? DJe 12.03.2013 ? p. 535)

No que tange ao valor da indenização, este deve representar para o ofendido uma satisfação psicológica que possa pelo menos diminuir os dissabores que lhe foram acarretados, sem causar, evidentemente, o chamado enriquecimento sem causa. Entretanto, deve impingir ao causador do dano, um impacto capaz de desestimulá-lo a praticar novos atos que venham a causar danos a outrem.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 259.816, do Rio de, Janeiro, DJU 27.11.2000, p. 171, salientou que o "arbitramento deve ser feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico da parte autora e, ainda, ao porte econômico da ré, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso".

Colhem-se desse julgado os critérios que devem nortear a fixação do valor da indenização: em relação ao autor do ato danoso, o grau de sua culpa e o seu porte econômico; em relação ao ofendido, o nível socioeconômico; em relação ao ato, a sua potencialidade danosa. Tudo com a devida moderação.

Dessa forma, da análise do caso, por ter havido uma situação de evidente má prestação de serviço, chego ao montante indenizatório no valor de R$ 5.000,00 ( cinco mil reais).
Nesse descortino:

a)CONVALIDO a tutela concedida no evento nº 7, tornando-a definitiva;

b)JULGO PROCEDENTE o pedido de indenização por danos morais, CONDENANDO a requerida a pagar ao demandante o valor de R$ 5.000,00(cinco mil reais), acrescidos de juros moratórios, a contar da data da citação, e correção monetária, com base no INPC, a partir desta data, consoante reza a Súmula nº 362 do STJ:

A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.

Por conseguinte, EXTINGO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, fulcrada no art.269, I, do CPC.

Não havendo pagamento voluntário, no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado deste decisum, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento) (Enunciado 105 do Fonaje c/c art. 475 do CPC).

Sem custas ou honorários advocatícios, neste estágio processual, na forma preconizada no art.55 da Lei nº 9099/95.

Caso haja adimplemento ou não seja requerido o cumprimento do comando sentencial nos prazos legais, dê-se baixa e arquive-se.

P.R.I.

Salvador, 7 de novembro de 2013

BELª. MÁRCIA GOTTSCHALD FERREIRA
Juíza de Direito Titular da 85ª Vara de Substituições
Designada para Auxiliar o Juizado Modelo Cível - Extensão Jorge Amado

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